sábado, 25 de outubro de 2014

Comparação entre Dilma/Lula/PT e Aécio/FHC/PSDB

Declaração de voto de um intelectual honesto!

Declaração de voto

1) Sarney, Color, Renan, Maluf e Marco Feliciano foram aliados preferenciais do governo tucano e depois passaram a ser aliados preferencias do governo petista. Ambos fazem parte da casta política que foi rechaçada pelas ruas em junho de 2013.
2) JBS, OAS, Andrade Gutierrez, Odebrecht, UTC Engenharia, Ambev, Bradesco e Culturale, que empregam trabalho quase escravo, recebem crédito subsidiado do BNDES, gozam de incentivos fiscais e em alguns casos participam dos esquemas de superfaturamento da Petrobras estão entre as maiores financiadoras da campanha eleitoral de Aécio e de Dilma.
3) Os tucanos entregaram o país às privatizações e ao capital estrangeiro nos anos 90. Mas nos governos do PT essas mesmas empresas estrangeiras seguiram obtendo lucros recordes e metade do orçamento federal seguiu sendo destinado aos 20 mil investidores milionários que detêm títulos da dívida pública
4) O PSDB privatizou os principais recursos públicos do país nos anos 90. Mas o PT privatizou portos, aeroportos, ferrovias, rodovias e a maior reserva de petróleo do país (a bacia de Libra); para além das famosas Parcerias-Público-Privadas (PPPs).
5) Os tucanos não conseguiram esconder o mensalão de Minas Gerais e o superfaturamento no sistema metro-ferroviário de São Paulo. Mas os petistas não conseguiram esconder o mensalão de Brasília e o superfaturamento na Petrobras.
6) O PSDB sempre teve uma política externa subserviente aos Estados Unidos e à Europa. Mas o PT coloca as tropas brasileiras no Haiti para que as empreiteiras brasileiras possam participar do botim da “reconstrução”; e os empresários amigos do governo brasileiro vão explorar os países africanos e os vizinhos mais pobres da América do Sul.
7) O PSDB nunca apurou as torturas e assassinatos da ditadura. Mas foi o PT quem fez um pacto com os militares para garantir por lei que os responsáveis pelos assassinatos e torturas da ditadura militar não possam ser punidos.
8) Os tucanos implementaram reformas neoliberais que retiraram direitos dos aposentados e do trabalhador nos anos 90. Mas foi Lula que em 2003 terminou de implementar a reforma da previdência e a flexibilização dos direitos trabalhistas nas pequenas e médias empresas através do Supersimples em 2006. Foi o PT que estimulou a flexibilização dos direitos em acordos diretos entre patrões e sindicatos frente à crise de 2009. E é a Dilma quem propõe uma lei federal que generaliza e aprofunda o sistema de suspensão dos contrários de trabalho conhecido como lay-off.
9) No governo tucano dos anos 90 existia mais desemprego do que existe hoje. Mas a maior parte dos empregos criados são precários. Essas serão as primeiras vítimas frente a novas crises. E já se sente o aumento do desemprego em alguns ramos da indústria.
10) Os pobres hoje são menos pobres do que eram na era FHC. Mas os ricos também são mais ricos do que naquela época, sendo que a riqueza dos ricos (com lucros recordes dos empresários) cresceu em proporções maiores do que a melhoria de vida dos pobres. Os indicadores sobre redução da desigualdade social difundidos pelo PT são falsos na medida em que se baseia nas pesquisas domiciliares do IBGE, nas quais os ricos omitem a totalidade de seus rendimentos.
11) O salário mínimo durante os governos petistas aumentou mais que durante os governos tucanos. Mas ele segue sendo R$ 724,00, enquanto o salário mínimo necessário de acordo com os preceitos constitucionais, segundo os cálculos do Dieese, deveria ser de R$ 2.862,73.
12) Nos governos do PT, através das cotas para negros, mais negros entraram na universidade. Mas a maioria esmagadora dos negros segue sem ter acesso ao ensino superior, e muitas vezes sem concluir nem mesmo o ensino básico.
13) Os governos do PSDB sempre negaram os direitos democráticos elementares como a legalização do aborto seguro e gratuito ou a criminalização da homofobia. Mas o PT não só fez o mesmo, como fortaleceu o peso das bancadas evangélicas que defendem posições reacionárias nessas questões, chegando a colocar um reacionário recalcitrante como Marco Feliciano para presidir a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.
14) Se em tempos de vacas gordas os patrões aumentaram seus lucros em proporções maiores do que os trabalhadores e o povo melhoraram de vida, nos tempos de vacas magras que se avizinham tanto petistas como tucanos vão priorizar a preservação dos lucros patronais em detrimento das condições de vida da classe trabalhadora.
15) Na medida em que se agravem as tendências recessivas da economia, seja com PT ou PSDB, devemos nos preparar para mais desemprego, mais inflação, aumento de tarifas, cortes nos gastos sociais, privatizações e retiradas de direitos.
16) Tanto Dilma como Aécio vão se opor à realização das demandas por mais direitos sociais que emergiu das manifestações de junho de 2013. Apesar da demagogia de “mudança” que ambos tentam fazer, o projeto político que representam, baseado nas grades empresas e no capital estrangeiro, entra em choque com aquelas demandas.
17) Precisamos apostar no caminho de junho para defender nossas conquistas e lutar por nossas demandas, o caminho da mobilização independente dos trabalhadores e da juventude.
18) O voto útil no mal menor está associado a uma postura de passividade diante da vida e dos problemas do país. Essa passividade está baseada na ilusão de um período de crescimento econômico que ficou para trás. Ela somente nos trará retrocessos e derrotas, pois os que estão no poder nunca são passivos. Pelo contrário, são bastante ativos, ainda mais num momento em que veem seus lucros e privilégios ameaçados.
19) Quanto mais votos tiver qualquer um dos dois candidatos eleitos, mais legitimidade terá para implementar medidas o novo governo. Quanto menos votos tiver o novo presidente, mais frágil estará para defender os interesses dos patrões, e em melhores condições estaremos para travar os combates em defesa do que já temos conquistado e por daquilo que merecemos conquistar. Por isso é necessário votar nulo.

Gilson Dantas 

http://revolucio2080.blogspot.com.br/2014/10/declaracao-de-voto-de-um-intelectual.html

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

O Banco Mundial e as Origens do Bolsa Família


As mentiras eleitorais são contadas e recontadas até que passam a ser consideradas verdades, apesar de que, em momentos de acirramento da competição eleitoral, fica existindo duas verdades, das duas partes em disputa. O Bolsa Família virou palco de disputa dos partidos, todos querendo a paternidade. PT e PSDB. O primeiro diz que é dele a ideia e o programa e o segundo diz que ele apenas retoma a unifica diversos programas já existentes nos seus governos anteriores. A verdade é outra. As origens do bolsa família estão no Banco Mundial, com suas políticas neoliberais, reproduzidas tanto pelo partido da "socialdemocracia" brasileira, que não tem nada de socialdemocrata, quanto do partido dos "trabalhadores", que não tem mais nada a ver com trabalhadores. Não deixa de ser curioso a miséria eleitoral desse ano, pois os candidatos querem, no máximo, manter o bolsa família e "melhorá-lo", ou seja, ser um neoliberal mais competente ou popular. O texto abaixo comenta, embora com alguns pontos problemáticos, a verdadeira origem do Bolsa Família:

Nem Lula nem FHC – saiba quem inventou o Bolsa Família


Demetrio Magnoli


Conceitualmente, O Bolsa Família não nasceu com Lula, nem com FHC, mas no laboratório político do Banco Mundial. O “objetivo abrangente” de redução da pobreza, proclamado em 1991 por Lewis Preston, presidente do banco, seria alcançado por meio de políticas focadas de transferência de renda. Era uma resposta estratégica ao pensamento de esquerda, concentrado em reformas sociais, e um programa de ação para o ciclo aberto pela queda do Muro de Berlim. FHC a adotou sem o entusiasmo dos conservadores, encarando-a como um emplastro civilizatório que não substituiria iniciativas fortes do Estado nas esferas da educação e da saúde. Lula não só a abraçou como serviu-se dela para ancorar eleitoralmente seu sistema de poder.

Quando Lula fulminou o Bolsa Escola com o epíteto de “bolsa esmola”, operava no registro tradicional do pensamento de esquerda. Na hora da chegada ao poder, sob a inspiração de José Graziano da Silva, perseverou naquele registro e lançou o Fome Zero, que não era um programa de transferência de renda. Graziano analisara de modo realista os rumos da formação do complexo capitalista do agronegócio, em duas obras significativas, publicadas na década de 1980, mas sonhava com o florescimento de uma agricultura familiar autônoma. No esquema do Fome Zero, sob o amparo estatal, pequenos produtores locais forneceriam os alimentos para a mesa dos pobres. O Bolsa Família surgiu dos escombros do Fome Zero.

O experimento utópico do Fome Zero nem decolou. No início, seus escassos críticos sofreram o bombardeio ideológico de acadêmicos de esquerda encantados com o lulismo. Contudo, depois de 388 dias de inércia, Lula demitiu Graziano do Ministério Extraordinário e promoveu o giro pragmático que conduziria à unificação dos programas de transferência de renda de FHC (a “bolsa esmola”) no Bolsa Família. Naquele momento, cessaram as resistências de esquerda à estratégia conservadora de combate à pobreza e, no lugar delas, emergiu o coro dos contentes, a proclamar a aurora de uma nova era.

Lula descobriu uma virtude político-eleitoral da expansão das transferências diretas de renda: o impulso ao consumo popular (de material de construção, eletrodomésticos e celulares) propiciava-lhe a chance de congelar a agenda de reformas na educação e na saúde públicas. O Bolsa Família tornou-se o núcleo de um conjunto de políticas focadas que abrangem, notadamente, o crédito consignado e as bolsas do ProUni. Nas eleições, o espectro da supressão dos benefícios monetários passaria a figurar como linha de ataque permanente do PT contra qualquer adversário. Simplificado ao extremo, o tema tão decisivo do combate à pobreza convertia-se em monopólio de um partido.

Os tucanos sentiram o golpe, girando em círculos à procura de uma resposta. Desorientados, chegaram a ensaiar, nos piores momentos, a reprodução da primitiva réplica original de Lula. O prumo começou a ser reencontrado por Aécio Neves, que anunciou o compromisso de entalhar o programa na pedra da lei, fazendo-o “política de Estado, não de governo”. Transferir o Bolsa Família do campo minado da disputa partidária para o das políticas públicas nacionais será um passo adiante, do ponto de vista da disputa eleitoral democrática. Mas, do ponto de vista conceitual, ainda estaríamos atrás do patamar atingido no governo FHC.

“Vemos as filhas do Bolsa Família transformarem-se nas mães do Bolsa Família”, alertou Eduardo Campos meses antes de sua morte trágica, para indagar: “Queremos vê-las transformando-se em avós do Bolsa Família?”. O círculo da pobreza e da dependência não pode atravessar gerações, sob pena de darmos razão ao Lula ancestral que clamava contra o “bolsa esmola”. Já é tempo de avançar além da receita do Banco Mundial, rumo à qualificação dos direitos sociais universais. A bolsa não é a vida.

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

As Lutas Sociais no Brasil Atual



AS LUTAS SOCIAIS NO BRASIL ATUAL

           
“Em breve, a bruxa petista poderá voar em sua vassoura estrelada e derramar a poção mágica sobre as cabeças de todos os esfomeados e miseráveis do Brasil e assim seremos todos felizes sob o capitalismo humanizado do PT.”
"Descobrimos, assim, que o capitalismo é um mal que, ao mesmo tempo, é o seu próprio remédio e que os “médicos petistas” vivem, da eterna reprodução da doença e da sua “cura”. Esta é apenas mais uma faceta do neopopulismo petista".

            A sociedade brasileira vem sendo palco de uma crescente onda de violência institucional sobre as camadas desfavorecidas da população.  A “violência” passa a ser o tema da “moda” tanto nos meios acadêmicos quanto nos meios de comunicação de massas. Cabe à classe dominante e seus ideólogos deturparem tudo: elaboram um conjunto de ideias que possuem como características fundamentais trocar a análise do processo pela reificação do efeito e por observar somente o que é manifesto e nunca o que está latente. Assim, o extermínio de meninos de ruas e o massacre de índios se tornam efeitos reificados, ou seja, esquece-se do seu processo de produção; das suas causas, e assim a solução do problema fica fácil: coloquemos os meninos de rua na escola (O “gênio” que propôs isto foi o governador Brizola) e demarquemos as terras indígenas! O fato de que continuará havendo a produção de meninos de rua e de garimpeiros com vontade e necessidade de invadir terras indígenas é esquecido. Lembrá-lo, obviamente, nos levaria longe demais e os guardiões do templo do capitalismo não hesitariam em nos acusar de “dogmáticos”, “esquerdistas” e “agitadores”. O outro fato, não tão visível, é que o extermínio de índios e meninos de rua não começou hoje e que a violência manifesta se torna tema polêmico no mass média enquanto que a violência latente e/ou subterrânea contra os pobres, a mulher, os trabalhadores sem-terra, os estudantes, etc. não são “vistos” pela nossa “democrática” imprensa. A única “violência” que aparece é a violência física (ou melhor, parte dela) e não a violência simbólica, econômica, política, social, entre outras. Para nós, a violência, seja ela qual for, só pode ser compreendida num contexto universal e perpassando o conjunto das contradições sociais e é neste sentido que vamos analisar a violência no Brasil.·.
            Segundo dados de 1992, no campo brasileiro existe uma população rural que expressa, aproximadamente, trinta por cento da população brasileira. A violência no campo atinge milhares de pessoas e envolve não apenas índios e garimpeiros, mas também camponeses, grileiros, latifundiários, seringueiros, etc. As lutas sociais no campo tem, no final das contas, um sentido único: LUTA PELA TERRA. A estrutura agrária brasileira está voltada para a produção com base na monocultura visando a exportação e convivendo com uma enorme quantidade de terras improdutivas que esperam sua valorização. A produção voltada para a exportação, além da destruição do meio ambiente, aumenta o preço dos produtos no mercado interno (atingindo assim a população urbana) e reforça a concentração de terras, criando a miséria e a fome dos camponeses e outros trabalhadores rurais. As terras improdutivas reforçam isto e os únicos que se beneficiam com elas são os seus proprietários. Por conseguinte, a única forma de se resolver esta questão é transformar as relações de propriedade no campo, ou seja, realizar uma REVOLUÇÃO AGRÁRIA. A coletivização das terras e a autogestão nas unidades de produção são necessárias tanto para resolver os problemas ambientais (fim da monocultura, utilização de tecnologias alternativas, etc.) quanto para resolver os problemas sociais (produção voltada para o mercado interno, fim do desemprego, fome, miséria no campo, fim dos conflitos entre setores explorados no campo, etc.) e, além disso, servem como ponto de partida para abolir a oposição entre cidade e campo, com a desurbanização da cidade e a desruralização do campo. Neste sentido, as lutas camponesas e de outros setores explorados no campo ganham uma importância estratégica para o movimento socialista libertário.
            As lutas sociais no campo devem ser articuladas com as lutas urbanas. Estas assumem uma complexidade e variedade enormes. Elas se referem desde a questão da moradia até a questão da administração municipal, passando pela questão do transporte coletivo, das condições de saneamento, entre outras. As lutas urbanas são, essencialmente, lutas contra a divisão capitalista do espaço e, consequentemente, luta pela autogestão do espaço urbano. A passagem de uma para a outra só pode ocorrer com uma revolução urbana.
            A divisão capitalista do espaço apresenta-se como uma extensão das relações de produção capitalistas e tem como um de seus fundamentos a propriedade privada do solo urbano. São as grandes empresas e os grandes proprietários que, com o seu poder econômico, determinam a forma de divisão do espaço. Esta divisão serve para atender os seus interesses econômicos e os “benefícios urbanos” que as administrações municipais fornecem são dirigidos para aqueles que possuem o “poder profano do dinheiro”, embora este, há muito tempo, tenha se tornado “sagrado” para as prefeituras, inclusive as “ditas” de esquerda.
            Trata-se, portanto, de exigir o uso social do solo urbano e assim combater a especulação imobiliária e os privilégios da classe dominante. A LUTA PELA MORADIA deve ter como ponto básico de seu programa o lema “casa para todos significa que cada um deve ter a sua casa e que NINGUÉM deve ter duas ou mais casas” e com isso se questiona a propriedade burguesa e seu caráter antissocial. As outras formas de lutas urbanas devem saber postular a revolução urbana juntamente com propostas que facilitem a sua concretização.
            As lutas sociais no Brasil também são travadas envolvendo o movimento das mulheres, o movimento ecológico, o movimento pela saúde coletiva, o movimento negro, o movimento estudantil e outros. Todos seguem sua dinâmica própria e, quando se radicalizam, colocam em questão aspectos da sociedade capitalista. Entretanto, estes movimentos, juntamente com os movimentos sociais urbanos e rurais, não podem revolucionar a sociedade isoladamente. Por isso, torna-se necessário a sua articulação com o movimento operário. É através da união destes movimentos com o movimento revolucionário do proletariado que se pode construir um “bloco revolucionário” e assim adquirir uma força política de peso no cenário nacional e elevar o nível da luta revolucionária.
            Isto abre perspectivas para apresentar propostas alternativas nas questões polêmicas de repercussão nacional e desmascarar a ideologia dominante. Tal é o que ocorre, por exemplo, com a campanha contra a fome e a miséria, outra reificação de efeitos. Embora a fome e a miséria tenham chegado ao Brasil desde que as caravelas portuguesas aqui chegaram, só agora o sociólogo Herbert de Souza e o Partido dos Trabalhadores a perceberam. Qualquer cristão sabe que a árvore do conhecimento existe desde que Deus criou o mundo, mas somente agora os filantropos pequeno-burgueses da sociologia e do PT tiveram acesso a ela. Entretanto, a covardia pequeno-burguesa nunca permite todo o conhecimento, pois apenas parte dele pode ascender à consciência. Assim, conhecemos os efeitos e desconhecemos as CAUSAS. Disso resulta que devemos combater a fome e a miséria como se fossem “dados” (até um sociólogo positivista e direitista como Robert Merton sabe que “os dados não são dados, são construídos”) e por isso a produção da fome e da miséria é “esquecida” e a solução do problema se encontra na “caridade”.
            Marx criticou alguns dos “Socialistas Românticos” por eles serem filantropos pequeno-burgueses. Estes consideravam a classe trabalhadora como uma “classe miserável” incapaz de se libertar por si mesma. A solução, segundo eles, seria elevar o nível da sua consciência, através da “educação” e da “razão” (que se tornaram hoje novas formas de dominação) para assim acabar com os males do capitalismo e implantar o socialismo. Hoje, os filantropos pequeno-burgueses da sociologia e do PT querem acabar com os males do capitalismo sem acabar com o capitalismo. Ou seja: A filantropia pequeno-burguesa anda para trás. Eles não combatem a produção capitalista da fome e da miséria, mas apenas a fome e a miséria já constituídas. A doação de alimentos não perecíveis pode deixar muitos pequeno-burgueses com a “consciência tranquila”. Como se resolverá o problema da fome? Um pouco de caridade, uma pitada de reforma agrária, uma colher de distribuição de renda, uma dose de “alimentos não perecíveis” e pronto, o caldeirão da bruxa já possui todos os ingredientes necessários para preparar a poção mágica que acabará com a fome e a miséria. Basta remexer tudo e colocar no fogo e logo estará pronto. Em breve, a bruxa petista poderá voar em sua vassoura estrelada e derramar a poção mágica sobre as cabeças de todos os esfomeados e miseráveis do Brasil e assim seremos todos felizes sob o capitalismo humanizado do PT.  Descobrimos, assim, que o capitalismo é um mal que, ao mesmo tempo, é o seu próprio remédio e que os “médicos petistas” vivem, da eterna reprodução da doença e da sua “cura”. Esta é apenas mais uma faceta do neopopulismo petista.

            A formação de um BLOCO REVOLUCIONÁRIO é hoje necessária para combater tanto a direita quanto o bloco reformista, comandado pelo PT, que se revela um “direitismo esclarecido”. O aumento da violência institucional contra as classes exploradas poderá servir como “detonador” do processo revolucionário ou de um “ensaio geral” e cabe aos militantes socialistas buscarem criar condições favoráveis para a vitória do proletariado no seu enfrentamento com o capital e o estado capitalista. Portanto, já sabemos o que devemos fazer.


Editorial da Revista Ruptura, publicação do Movimento Conselhista. Ano 1, Nº 02, Outubro de 1993.

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

A Revolução não é uma Tarefa de Partido - Otto Rühle

A Revolução não é uma Tarefa de Partido

Otto Rühle

I
O parlamentarismo apareceu com a dominação da burguesia.
Com os parlamentos apareceram os partidos políticos.
A época burguesa encontrou nos parlamentos a arena histórica das suas primeiras disputas com a coroa e a nobreza. Organizou-se politicamente e deu à legislação uma forma correspondente às necessidades do capitalismo. Mas o capitalismo não é homogêneo. As diversas camadas e os diversos grupos de interesse no interior da burguesia fizeram valer cada um as suas reivindicações de natureza diferente. Foi para levar a cabo estas reivindicações que nasceram os partidos que enviavam os seus representantes e atores aos parlamentos. O parlamento transformou-se assim num Fórum, lugar de todas as lutas, primeiro pelo poder econômico, político e legislativo, depois no quadro do sistema parlamentar, também pelo poder governamental. Porém as lutas parlamentares, tal como as lutas entre partidos, não passam de combates de paliavas. Programas, polêmicas jornalísticas, panfletos relatórios para as reuniões, resoluções, discursos parlamentares, decisões - só palavras. O parlamento degenerou em salão de tagarelices (cada vez mais à medida que o tempo passava), apesar de, desde o primeiro dia, os partidos não passarem de simples máquinas de preparar eleições. Não é por acaso que se declaravam inicialmente "uniões eleitorais".
Burguesia, parlamentarismo, partidos políticos condicionam-se mutuamente. Cada um é necessário ao outro. Marcam a fisionomia política do sistema burguês, da época capitalista-burguesa.
II
A Revolução de 1848 foi travada desde o início. Porém, o ideal da era burguesa, a república democrática, foi erigido.
A burguesia, impotente e cobarde por natureza, arreou a bandeira perante a coroa e a nobreza, contentou-se com o direito de explorar economicamente as massas e reduziu o parlamentarismo a uma paródia.
Resultou então daí o dever para a classe operária de enviar representantes seus ao parlamento. Estes retomaram as reivindicações democráticas das mãos pérfidas da burguesia. Fizeram-lhes uma enérgica propaganda, tentaram inscrevê-las na legislação. A social-democracia atribui-se com esta finalidade um programa mínimo. Um programa de reivindicações actuais e práticas, adaptadas à época burguesa. A sua ação no parlamento estava determinada por este programa. Dominada pela preocupação de obter para a classe operária, e para a sua atividade política, as vantagens de um campo de manobra legal, construindo e acabando a democracia formal burguesa-liberal.
Quando Wilhelm Liebknecht propôs o abstencionismo [1], tratava-se de um desconhecimento da situação histórica. Se a social-democracia queria ser eficaz como partido político, devia entrar no parlamento. Não havia nesse caso nenhuma outra possibilidade de agir e de se fazer valer politicamente.
Quando os sindicatos se desviaram do parlamentarismo e pregaram o antiparlamentarismo, faziam honra à sua apreciação sobre a vaidade e a corrupção crescente da prática parlamentar. Mas, na prática, exigiam da  social-democracia qualquer coisa de impossível. Exigiam que se tomasse uma decisão que ia ao encontro da necessidade histórica, que a social-democracia renunciasse a si própria. Esta não podia adoptar tal ponto de vista. Devia ir ao parlamento porque era um partido político.
III
Também o K.P.D. [1] se tornou um partido político. Um partido no sentido histórico, como os partidos burgueses, como o S.P.D. [2] e o U.S.P.D.[3].
Os chefes têm a palavra em primeiro lugar. Falam, prometem, seduzem, comandam. As massas quando estão presentes, encontram-se perante um facto consumado. Têm de pôr-se em formação e marchar alinhados. Têm de acreditar, calar-se e pagar. Têm de receber ordens e instruções e executá-las. Têm de votar.

Os chefes querem entrar no parlamento. Têm só que se apresentar às eleições. Depois do que, mantendo-se as massas numa submissão muda e numa passividade devota, são os chefes que fazem alta política no parlamento.
Também o K.P.D. se tornou um partido político.

Também o K.P.D. quer chegar ao parlamento.
A central do K.P.D. mente quando diz às massas que só pretende entrar no parlamento para o destruir.
Mente quando garante que não quer levar a cabo no parlamento nenhum trabalho positivo.
Não destruirá o parlamento, não pretende faze-lo nem pode. Fará um "trabalho positivo" no parlamento, a isso é obrigada e assim o quer. Vive disso.
O K.P.D. tornou-se um partido parlamentar como os outros. Um partido do compromisso, do oportunismo da crítica e da luta oratória.
Um partido que deixou de ser revolucionário.
IV
Observai-o.
Aparece no parlamento. Reconhece os sindicatos. Inclina-se perante a constituição democrática. Faz as pazes com o poder reinante. Coloca-se no terreno das relações das forças reais. Toma parte na obra da restauração nacional e capitalista.
O que o diferencia do U.S.P.D.? Critica em vez de negar. Faz oposição em vez de revolução. Faz comércio em vez de agir. Tagarela em vez de lutar. É por isso que deixa de ser uma organização revolucionária.
Torna-se um partido social-democrata. Só nuances o distinguem dos Scheidemann e dos Daumig. É o avatar do U.S.P.D. Virá a ser em breve um partido do governo, com o de Schidemann e o de Daumig. E será o seu fim.
V
Resta uma consolação às massas: há sempre uma oposição. Esta oposição não toma de início posição pela contra-revolução. Que podia fazer? Que faz? Reuniu-se, uniu-se numa organização política. Seria necessário?
Os elementos mais maduros politicamente, os mais activos de um ponto de vista revolucionário têm o dever de formar a falange da revolução. Só podiam cumprir esse dever sob a forma de falange, isto é, de formação fechada. São a elite do proletariado revolucionário. Pelo caracter fechado da sua organização, reforçam-se e adquirem uma profundidade de discernimento cada vez maior. Manifestam-se enquanto vanguarda do proletariado, como vontade de acção face a indivíduos hesitantes e confusos. No momento decisivo formam o centro magnético de toda a actividade. São uma organização política.
Mas não são um partido político.
Não um partido no sentido tradicional.
A sigla de Partido Comunista Operário (K.A.P.D.) [4] é o último vestígio exterior - em breve supérflua- de uma tradição que um simples passar de esponja infelizmente não chega para resgatar de uma ideologia política de massas, ainda à pouco tempo viva, mas hoje já ultrapassada.
Também este vestígio será apagado.
A organização das primeiras fileiras comunistas da revolução não deve ser um partido habitual, sob risco de morte, sob risco de reproduzir a sorte que coube ao K.P.D.
A época da fundação de partidos passou, porque passou a época dos partidos políticos em geral.
O K.P.D. é o último partido. A sua bancarrota é a mais vergonhosa, o seu fim o mais desprovido de dignidade e de glória.. Mas o que será feito da oposição? O que será feito da Revolução?
VI
A revolução não é uma tarefa de partido. Os três partidos social-democratas têm a loucura de considerar a revolução como tarefa sua, própria de partido e de proclamar como seu objectivo partidário a vitória da revolução.
A revolução é tarefa política e económica da totalidade da classe proletária.
Só o proletariado enquanto classe pode levar a revolução à vitória.
Tudo o resto é superstição, demagogia, charlatanismo político.
Trata-se é de conceber o proletariado como classe e de desencadear a sua actividade para a luta revolucionária, na mais larga base e no mais vasto quadro.
É por isso que todos os proletários prontos para o combate revolucionário, não importa a proveniência nem a base sob a qual se recrutam, devem ser reunidos nos ateliers e nas empresas em organizações revolucionárias de empresa e no quadro da A.A.U. (União Geral dos Trabalhadores).
A União Geral dos Trabalhadores não é uma salada, nem uma formação fortuita. É o reagrupamento de todos os elementos proletários, prontos para uma actividade revolucionária, que se declaram a favor da luta de classe pelo sistema dos conselhos e pela ditadura do proletariado.
É o exército revolucionário do proletariado.
Esta União Geral dos Trabalhadores enraíza-se nas empresas e edifica-se a partir dos ramos das indústrias, de baixo para cima, federativamente na base e organizada no topo por meio de homens de confiança revolucionários. Desenvolve-se de baixo para cima a partir das massas operárias. Cresce em conformidade com elas: é a carne e o sangue do proletariado; a força que lhe dá impulso, é a acção das massas, sua alma e sopro incandescente da revolução.
Não é uma criação de chefes. Não é uma construção subtilmente cozinhada. Não é um partido político com tagarelice parlamentar e bonzos pagos. Também não é um sindicato.
É o proletariado revolucionário.
VII
Que há de fazer o K.A.P.D? Criará organizações revolucionárias de empresa. Propagará a União Geral dos Trabalhadores.
Trabalhando de empresa em empresa, de ramo industrial em ramo industrial, formará os quadros das massas revolucionárias. Formá-los-á para o assalto, consolidá-los-á e dar-lhes-á forças para o combate decisivo, até que toda a resistência do capitalismo, prestes a desabar, possa ser vencida.
Insuflará às massas combatentes a confiança da sua própria força, garantia de qualquer vitória na medida em que esta confiança os libertará dos chefes ambiciosos e traidores.
E a partir da União Geral dos Trabalhadores começando nas empresas, estendendo-se pelas regiões económicas e finalmente por todo o país, desenvolver-se-á vigorosamente o movimento comunista.
O novo "partido" comunista, que já não é um partido. Mas que é - pela primeira vez- comunista.
Coração e cabeça da revolução.
VIII
Representemos o processo de maneira concreta. Há 200 homens numa empresa. Uma parte deles pertence à A.A.U. e faz-lhe propaganda, inicialmente sem sucesso. Porém o primeiro combate, no qual os sindicatos naturalmente, cedem, rompe os antigos laços. Imediatamente 100 homens passam para a União. Há entre eles 20 comunistas, sendo o resto composto por pessoas do U.S.P.D., por sindicalistas e desorganizados. No início, o U.S.P.D. inspira maior confiança. A sua política domina a táctica dos combates na empresa. No entanto, lenta mas seguramente, a política do U.S.P.D. revela-se falsa, não revolucionária. A confiança dos trabalhadores no U.S.P.D. atenua-se. A política dos comunistas afirma-se. De 20 os comunistas passam a 50, depois a 100 e mais, em breve o grupo comunista domina politicamente a totalidade da empresa, determina a táctica da União, domina nos combates com objectivo revolucionário. Será assim em pequenas ou grandes proporções. A política comunista implantar-se-á de empresa em empresa, de região económica em região económica. Realizar-se-á, ganhará o comando, tornar-se-á corpo, cabeça e ideia directriz.
É a partir das células dos grupos comunistas nas empresas, a partir dos sectores comunistas de massa nas regiões económicas que se constitui - na edificação do sistema dos conselhos - o novo movimento comunista.
E então? Uma "revolucionarização" dos sindicatos, uma "restruturação"? Quanto tempo durará o processo? Anos? Dezenas de anos? De modo nenhum.
O objectivo não é o de demolir, de destruir o colosso de argila das centrais sindicais com os seus 7 milhões de membros, para os reconstruir depois sob outra forma.
O objectivo é a conquista dos comandos nas empresas preponderantes para a indústria, para o processo de produção social, e desse modo para conquistar poder de decisão no combate revolucionário. Apoderar-se do dispositivo que pode derrotar o capitalismo em ramos e regiões industriais inteiros.
Nestas circunstâncias é isto que a disponibilidade resoluta para a acção de uma organização única pode conseguir mais eficazmente que uma greve geral.
É assim que o David da empresa abate o Golias da burocracia sindical.
IX
O K.P.D. deixou de encarnar o movimento comunista na Alemanha. Bem pode reclamar-se ruidosamente de MarxLenine e Radek! Não passa de último membro da frente única da contra-revolução. Em breve se apresentará em perfeito acordo com o S.P.D. e o U.S.P.D., no quadro de uma frente única para um Governo operário "puramente socialista". A promessa de uma "oposição legal" aos partidos assassinos que traíram os operários é uma etapa desse processo.
Renunciar a exterminar de forma revolucionária os Erbert e os Kautsky (consultar Die Rote Fahne (9) de 21 de Março de 1920), é já aliar-se a eles.
A última fase do capitalismo na sua agonia.
O último "socorro político" da burguesia alemã.
O fim.
O fim dos próprios partidos, da política de partido, do logro dos partidos, da traição dos partidos.
É o novo começo do movimento comunista.
O Partido Comunista Operário.
As organizações de empresas revolucionárias, reagrupadas na União Geral dos Trabalhadores.
Os conselhos revolucionários.
O congresso dos conselhos revolucionário.
O governo dos conselhos revolucionários.

A ditadura comunista dos conselhos.

Notas:
[1] Em 1875, Liebknecht propôs o abstencionismo, contrariamente a Marx e Engels.
[1] KPD. - Kommunistische Partei Deutschlands - Partido Comunista da Alemanha, fundado em Dezembro de 1918.
[2] SPD. - Sozialdemokratische Partei Deutschlands - Partido Social-Democrata Alemão, fundado em 23 de maio de 1863.
[3] USPD. - Unabhängige Sozialdemokratische Partei Deutschlands - Partido Social Democrata Independente da Alemanha, fundado em 6 de abril de 1917.

[4KAPD. - Kommunistischen Arbeiter-Partei Deutschlands - Partido Comunista Operario da Alemanha, fundado em abril de 1920 em Heidelberg a partir da cisão do KPD

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Do Discurso Eleitoral ao Discurso Governamental

Do Discurso Eleitoral ao Discurso Governamental

Nildo Viana

Depois das eleições e da pseudestesia de alegria com os novos eleitos, temos a posse e uma nova realidade. Essa mudança ocorre com o novo governo que realiza uma mutação discursiva, passando de um tipo de discurso, o eleitoral, para outro, o governamental.

Todo governo, ao ser empossado, deve trabalhar dentro de um determinado contexto e agir a partir de suas possibilidades, interesses e pressões. Assim, todo governo atua no interior de determinadas condições, que, envolvem a situação mundial, nacional, regional, e os recursos disponíveis (financeiros, humanos, etc.). Essas condições criam limites maiores ou menores dependendo do contexto.

Da mesma forma, todo governo possui seus próprios interesses e essa é a mola propulsora de sua ação. Os seus principais interesses são a manutenção da governabilidade, ou seja, das condições e possibilidade de sua manutenção no governo; o atendimento das demandas particulares dos seus integrantes e aliados; a popularidade. O principal interesse é a manutenção do governo, o que significa garantir um amortecimento dos conflitos sociais, uma base popular e institucional de apoio, privilégios e mordomias para seus integrantes, estabilidade política e financeira, entre outros aspectos. Porém, se a realização destes interesses é difícil por exigir estabilidade e amortecimento dos conflitos sociais numa sociedade marcada pela exploração, dominação e opressão, então é preciso perceber que a dificuldade é muito maior se somarmos os outros interesses de todo governo, que é o atendimento das demandas particulares de integrantes, aliados e apoios e a popularidade. O primeiro elemento geralmente entra em contradição com o segundo e por isso o governo que se sai melhor é o que consegue equilibrar ambas, bem como esconder o primeiro e propagandear o segundo. E é aqui que os recursos disponíveis têm um peso forte, pois para se conseguir fazer isto é necessário um mínimo de competência, o que nem sempre existe, principalmente devido à necessidade de substituir o critério técnico pelo político-partidário. Esses interesses que acompanham todos os governos estão intimamente ligados aos interesses da classe dominante, que também necessidade de manutenção da governabilidade, estabilidade política e financeira, amortecimento das lutas de classes, etc. Os interesses do governo são condições de possibilidade para a reprodução das relações de produção capitalistas e, por conseguinte, dos interesses da classe dominante. Assim, interesses do governo e interesses da classe dominante são complementares. Isso não impede que determinados setores da classe dominante possam ter divergência de interesses com determinado governo, pois existem conflitos intercapitalistas e pressões destes setores sobre o governo.

Como já colocamos, tais interesses possuem dificuldades de concretizar e possuem contradições. Contudo, não é este o único problema de um governo, pois as condições e pressões podem ser outros elementos que impossibilitam a concretização dos seus interesses principais. As pressões são as demandas externas, tanto as da população em geral, quanto à de grupos específicos, classes sociais, oposição partidária, meios de comunicação, setores da classe dominante, rivalidades internas no bloco dominante, etc. Algumas pressões são mais fortes, mais organizadas, mais poderosas, outras menos, algumas mais gerais, outras mais específicas. Se as condições externas forem desfavoráveis, as pressões tendem a aumentar, a satisfação dos interesses tende a se restringir, e assim o apoio popular e de aliados tende a reduzir cada vez mais.

Isto tudo cria um quadro de possibilidades que conta ainda com as pessoas concretas que estão no governo, tanto no nível da competência quanto no nível da personalidade, convicção política, etc., que pode ter um caráter mais coletivo (partidos programáticos mais definidos) ou individual (principalmente com maior poder de decisão, como presidente, governador, prefeito).

O processo eleitoral marca uma competição pelo poder que gera um tipo específico de discurso. Trata-se de um tipo de discurso cuja determinação fundamental é o objetivo de ganhar a eleição [1]. Para ganhar a eleição, é necessário constituir um discurso que convença os eleitores a escolher o candidato que profere tal discurso. Para ganhar a eleição é preciso convencer um determinado número de eleitores, geralmente alto, principalmente para os cargos majoritários, em votar no candidato que o profere, ao lado de outras estratégias (brindes, favores, etc.). O discurso eleitoral assume, para os cargos do poder executivo, que exige um maior quantum de votos, que seja policlassista (Viana, 2003) e que quando se dirige a um público específico, este deve ser grande e deve ser feito de tal forma que não entre em contradição com outra parte do eleitorado, sento tendencialmente moderado e evitando o conflito de interesses. A ideologia da representação é outro elemento que deve estar presente no discurso eleitoral (Viana, 2003).

Porém, existem outras características particulares. O discurso eleitoral é o das promessas e da humildade, marcado pelo otimismo e voluntarismo, pois precisa garantir o número de eleitores suficientes para ganhar as eleições. O otimismo deve aparecer para dar esperança de resolução dos problemas existentes, promovendo a ilusão de que irá atender às necessidades da população e garantir as condições de governabilidade. O otimismo também fica explicitado nas promessas de campanha, pois elas são o que pode proporcionar votos e quanto mais promessas, mesmo as mais estapafúrdias e irrealizáveis, mais possibilidade há de conseguir aumentar o número de eleitores, principalmente em certos segmentos eleitorais. A humildade é uma necessidade, pois antes de ser eleito, o candidato é apenas candidato, não tem ainda o poder. Sendo apenas candidato, deve se colocar como “servo do povo”, apenas um “representante” da vontade alheia. É um humilde servidor do povo, pois depende do voto deste. Da mesma forma, é um discurso voluntarista, pois precisa mostrar que os problemas existentes possuem solução e, ainda, que ela não se efetivou pela má vontade, corrupção, incompetência ou qualquer outro defeito do outro candidato/partido que estava no governo, e que por isso poderá resolver, basta ser eleito. Nos casos em que o discurso é proferido por um candidato governista, o voluntarismo se mantém, admitindo algumas dificuldades do mandato anterior ou do governante anterior, promovidas por razões alheias à sua vontade e ressaltando suas conquistas e feitos, que abrem possibilidade para sua ampliação e que criou as condições nas quais a vontade do atual candidato é suficiente para resolver os problemas existentes.

Uma vez eleito, esse discurso é substituído por outro. Se o discurso eleitoral é otimista, voluntarista e humilde, o discurso governamental é, ao contrário, o das justificativas das ações concretas e da autoridade, marcado pelo pessimismo e determinismo, principalmente quando a situação é desfavorável ou as promessas eleitorais, devido à disputa e pressão popular, foram exageradas. É um discurso justificador e determinista, colocando no governo anterior a responsabilidade das dificuldades e do não cumprimento de algumas promessas e/ou nas condições externas, agora reconhecidas como existentes. O problema dos recursos financeiros para cumprir as promessas, praticamente inexistente no discurso eleitoral, agora assume importância no discurso governamental. As promessas de melhoria de vida são substituídas pela dura realidade das promessas não cumpridas e muitas vezes marcada por uma situação pior e às vezes por políticas estatais contrárias ao do discurso anterior. As dificuldades, necessidade de conhecer a situação, o governo anterior e outras justificativas são apresentadas e o tom muda, o discurso deixa de ser otimista e passa a ser pessimista, sem abandonar totalmente algumas “gotas de otimismo”, uma réplica do pensamento positivo e seu “otimismo em gotas”. A realização das promessas não é simplesmente descartada, mas jogada para o futuro, geralmente longínquo. O voluntarismo é substituído pelo determinismo, o seu complemento natural, pois a vontade só não é mais suficiente, pois tem a “crise internacional”, a situação financeira deixada pelo governo anterior, o período de adaptação do novo governo e inúmeras outras desculpas para justificar a situação existente. O discurso humilde logo se transforma em discurso autoritário, o exercício do poder logo se manifesta não apenas nas práticas (inclusive as repressivas), mas no discurso de autoridade, muitas vezes acompanhado de ameaças.

A metamorfose do discurso eleitoral em discurso governamental é uma necessidade da democracia burguesa, pois ninguém ganha eleição com discurso governamental e nem governa com discurso eleitoral. Essa metamorfose é uma necessidade dos detentores do poder, que buscam manipular a população e se perpetuar no poder. É a prática da classe dominante e suas classes auxiliares, cujo objetivo é manter a governabilidade e a reprodução das relações de produção capitalistas, ou seja, a exploração do proletariado e tudo que é derivado disso. Sem dúvida, não apenas o discurso eleitoral é marcado por estas características, mas também o discurso oposicionista de quem quer tomar o poder estatal mesmo com o uso de armas, que logo muda ao conquistá-lo. Basta lembrar o discurso da Revolução Francesa (“igualdade, liberdade, fraternidade”) ou de Lênin antes do poder (“pão, paz e terra” ou “todo o poder aos sovietes”) e que logo se torna o seu contrário, onde a igualdade e os sovietes, para citar dois exemplos, são rapidamente abandonados. É o caso que se repete em todos os países e lugares, inclusive no Brasil, e às vezes assume ares tragicômicos como no caso de Fernando Collor de Mello, eleito em 1989 com o discurso de “caça as marajás” e contra a corrupção e perde o cargo de presidente para o qual foi eleito graças à corrupção.

Também o discurso eleitoral, em determinados contextos históricos, pode assumir um caráter autoritário, quando crises e radicalização de conflitos colaboram para que parte da população queira um “governo forte” para conter as lutas sociais e reprimir a mobilização popular. Porém, em situações de relativa estabilidade ou com uma conflitualidade moderada, o discurso eleitoral se mantém otimista, voluntarista e humilde. A sua duração é até o governo eleito tomar posse, e o discurso passa a ser pessimista, determinista e autoritário. O discurso político-institucional é marcado pela conveniência e oportunismo.

Referências:

VIANA, Nildo. Linguagem, Discurso e Poder. Ensaios Sobre Linguagem e Sociedade. Pará de Minas, Virtualbooks, 2009.

VIANA, Nildo. O Que São Partidos Políticos. Goiânia, Edições Germinal, 2003.

Notas:

[1] – Claro que alguns candidatos e partidos sabem que não ganharão a eleição, mas usam o processo eleitoral para barganhar cargos e ganhar popularidade para as eleições futuras.
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Publicação original: http://informecritica.blogspot.com/2011/02/do-discurso-eleitoral-ao-discurso.html

terça-feira, 23 de setembro de 2014

A luta pelo voto nulo não é para anular as eleições!



A LUTA PELO VOTO NULO NÃO É PARA ANULAR AS ELEIÇÕES...


Nildo Viana


Recentemente algumas pessoas veem questionando - devido polêmicas jurídicas na TV e outros locais - o sentido do voto nulo já que para alguns a existência de mais de 50% de voto nulo não anula as eleições. Obviamente que há uma polêmica em torno disso (alguns sustentam que anularia a eleição, ao contrário dessa posição), mas isto é totalmente irrelevante para a luta pelo voto nulo por parte da concepção marxista autogestionária. Assim, o que se faz é uma grande confusão, com intenções óbvias de realizar tal processo, querendo desqualificar o voto nulo autogestionário e confundi-lo com o voto nulo oportunista (sobre as formas do voto nulo, veja o artigo "Eleições, Voto Nulo e Autoemancipação", clicando aqui ).

O voto nulo autogestionário não visa anular nenhuma eleição, pois é constitutivo dos seus princípios a recusa em geral do sistema eleitoral e partidário. Trata-se de uma recusa da democracia burguesa que não visa trocar governos mas propor a superação da existência de governos e do Estado em geral. A abolição do Estado (e, portanto, da democracia representativa, do sistema eleitoral, dos partidos políticos, dos políticos profissionais, etc.) e sua substituição pela autogestão social ou "livre associação dos produtores" é o objetivo. Nessa perspectiva, anular as eleições e convocar outras é simplesmente inócuo, estéril e até indesejável, pois teríamos mais uma enfadonha campanha eleitoral com os partidos apresentando seus produtos de má qualidade nas vitrines do grande supermercado chamado processo eleitoral. Nessa perspectiva, um novo pleito eleitoral é apenas mais do mesmo, repetição do que não deveria existir. Se uma eleição fosse cancelada, haveria outra, o que significa nada mudar.

O que se propõe, nesse caso, na perspectiva do voto nulo autogestionário, é abolir as eleições, o sistema eleitoral representativo e burguês, o Estado capitalista, etc., e, portanto, significa ABOLIÇÃO e não CONTINUAÇÃO. Essa abolição, por sua vez, significa SUPERAÇÃO e SUBSTITUIÇÃO por algo radicalmente diferente, que é a AUTOGESTÃO SOCIAL. Ao invés da falsa participação e "democracia", na qual os iludidos escolhem a cada quatro (ou mais ou menos, mas por um período determinado de tempo sem exercer poder ou poder substituir quem foi eleito) anos quem irá dirigir e controlar nossa vida, o que propomos é que nós mesmos passemos a nos dirigir e controlar, tanto o processo de produção (abolindo o capital, ou sua expressão jurídica, a propriedade privada) quanto o conjunto das relações sociais, via formas de auto-organização, como os conselhos de fábrica e de bairros, entre outras.

Assim, confundir a proposta de voto nulo autogestionário com a proposta de voto nulo oportunista - que é a de organizações ou pequenos partidos que negam apenas estas eleições ou o processo eleitoral apenas até se fortalecer e poder lançar candidatos ou concorrer, ou, pior ainda, por esperar um adiamento e descrédito dos adversários para depois tentar ganhar ou obter vantagem eleitoral - é algo totalmente sem sentido. O discurso que afirma que mais de 50% dos votos não anula o processo eleitoral não atinge a maioria das formas de voto nulo, a não ser a já citada, pois nem o voto nulo espontâneo (por ceticismo e descrença de setores da população) visa isso.

O voto nulo autogestionário significa, portanto, recusa total do sistema eleitoral e da sociedade capitalista como um todo. Obviamente que não tem a ilusão de que o aumento do voto nulo, nem que seja mais de 50%, signifique a transformação radical e total das relações sociais que está proposto em seus princípios. é claro que se houver tal proporção, a possibilidade de tal transformação se torna uma realidade possível, desde que não tenha sido motivada por voto nulo oportunista. O objetivo principal da defesa e campanha pelo voto nulo, numa perspectiva autogestionária, remete para a sua finalidade, a luta pela autogestão social. E faz isso através de um processo de politização e crítica da democracia burguesa e do Estado capitalista e simultânea apresentação de um projeto alternativo de sociedade, a autogestão social, bem como de análise crítica e reflexão sobre as formas do voto nulo. Assim, o voto nulo autogestionário apresenta, simultaneamente, uma crítica totalizante da política institucional (Estado capitalista, democracia burguesa, sistema eleitoral, políticos profissionais, corrupção, etc.), uma reflexão crítica sobre o voto nulo (suas formas, alcance, limites, etc.) e uma unidade destes dois elementos com o projeto autogestionário de emancipação humana.

O resultado esperado disso não é a ilusória e ingênua anulação de uma determinada eleição e sim uma maior politização da população, daqueles que já defendem o voto nulo espontaneamente sem um projeto alternativo de sociedade ou percepção mais totalizante da democracia burguesa, e perda de legitimidade das instituições burguesas, dos governos, etc. Em síntese, a politização de uma parte cada vez maior da população e a deslegitimação cada vez mais intensiva dos governos e instituições burguesas é o resultado esperado e que contribui com o objetivo final que é a transformação social radical e total das relações sociais, a formação de uma sociedade autogerida. No fundo, é disso que o Estado, os governos, etc. temem, pois é isto que é uma ameaça real, o resto é apenas troca de corruptos e oportunistas no interior das mesmas relações sociais que criam estes tristes personagens e é por isso que buscam criar confusão entre voto nulo oportunista - que no fundo relegitima a democracia burguesa e tudo que é relacionado, sem nenhum projeto verdadeiro de transformação social - e o voto nulo autogestionário. Contudo, a tendência e o que vem ocorrendo é o aumento do voto nulo (tanto o espontâneo quanto o autogestionário) e assim o temor da classe dominante e suas classes auxiliares se justifica, mas não é suficiente para impedir sua realização e ampliação. Quanto mais votos nulos, menos pessoas envolvidas, iludidas, interessadas, no processo eleitoral e isso significa menos força da política burguesa (institucional) e mais força da política proletária (anti-institucional, voltada para a auto-organização da população). Um fantasma ronda as eleições atuais, o fantasma da autogestão social.