terça-feira, 23 de setembro de 2014

A luta pelo voto nulo não é para anular as eleições!



A LUTA PELO VOTO NULO NÃO É PARA ANULAR AS ELEIÇÕES...


Nildo Viana


Recentemente algumas pessoas veem questionando - devido polêmicas jurídicas na TV e outros locais - o sentido do voto nulo já que para alguns a existência de mais de 50% de voto nulo não anula as eleições. Obviamente que há uma polêmica em torno disso (alguns sustentam que anularia a eleição, ao contrário dessa posição), mas isto é totalmente irrelevante para a luta pelo voto nulo por parte da concepção marxista autogestionária. Assim, o que se faz é uma grande confusão, com intenções óbvias de realizar tal processo, querendo desqualificar o voto nulo autogestionário e confundi-lo com o voto nulo oportunista (sobre as formas do voto nulo, veja o artigo "Eleições, Voto Nulo e Autoemancipação", clicando aqui ).

O voto nulo autogestionário não visa anular nenhuma eleição, pois é constitutivo dos seus princípios a recusa em geral do sistema eleitoral e partidário. Trata-se de uma recusa da democracia burguesa que não visa trocar governos mas propor a superação da existência de governos e do Estado em geral. A abolição do Estado (e, portanto, da democracia representativa, do sistema eleitoral, dos partidos políticos, dos políticos profissionais, etc.) e sua substituição pela autogestão social ou "livre associação dos produtores" é o objetivo. Nessa perspectiva, anular as eleições e convocar outras é simplesmente inócuo, estéril e até indesejável, pois teríamos mais uma enfadonha campanha eleitoral com os partidos apresentando seus produtos de má qualidade nas vitrines do grande supermercado chamado processo eleitoral. Nessa perspectiva, um novo pleito eleitoral é apenas mais do mesmo, repetição do que não deveria existir. Se uma eleição fosse cancelada, haveria outra, o que significa nada mudar.

O que se propõe, nesse caso, na perspectiva do voto nulo autogestionário, é abolir as eleições, o sistema eleitoral representativo e burguês, o Estado capitalista, etc., e, portanto, significa ABOLIÇÃO e não CONTINUAÇÃO. Essa abolição, por sua vez, significa SUPERAÇÃO e SUBSTITUIÇÃO por algo radicalmente diferente, que é a AUTOGESTÃO SOCIAL. Ao invés da falsa participação e "democracia", na qual os iludidos escolhem a cada quatro (ou mais ou menos, mas por um período determinado de tempo sem exercer poder ou poder substituir quem foi eleito) anos quem irá dirigir e controlar nossa vida, o que propomos é que nós mesmos passemos a nos dirigir e controlar, tanto o processo de produção (abolindo o capital, ou sua expressão jurídica, a propriedade privada) quanto o conjunto das relações sociais, via formas de auto-organização, como os conselhos de fábrica e de bairros, entre outras.

Assim, confundir a proposta de voto nulo autogestionário com a proposta de voto nulo oportunista - que é a de organizações ou pequenos partidos que negam apenas estas eleições ou o processo eleitoral apenas até se fortalecer e poder lançar candidatos ou concorrer, ou, pior ainda, por esperar um adiamento e descrédito dos adversários para depois tentar ganhar ou obter vantagem eleitoral - é algo totalmente sem sentido. O discurso que afirma que mais de 50% dos votos não anula o processo eleitoral não atinge a maioria das formas de voto nulo, a não ser a já citada, pois nem o voto nulo espontâneo (por ceticismo e descrença de setores da população) visa isso.

O voto nulo autogestionário significa, portanto, recusa total do sistema eleitoral e da sociedade capitalista como um todo. Obviamente que não tem a ilusão de que o aumento do voto nulo, nem que seja mais de 50%, signifique a transformação radical e total das relações sociais que está proposto em seus princípios. é claro que se houver tal proporção, a possibilidade de tal transformação se torna uma realidade possível, desde que não tenha sido motivada por voto nulo oportunista. O objetivo principal da defesa e campanha pelo voto nulo, numa perspectiva autogestionária, remete para a sua finalidade, a luta pela autogestão social. E faz isso através de um processo de politização e crítica da democracia burguesa e do Estado capitalista e simultânea apresentação de um projeto alternativo de sociedade, a autogestão social, bem como de análise crítica e reflexão sobre as formas do voto nulo. Assim, o voto nulo autogestionário apresenta, simultaneamente, uma crítica totalizante da política institucional (Estado capitalista, democracia burguesa, sistema eleitoral, políticos profissionais, corrupção, etc.), uma reflexão crítica sobre o voto nulo (suas formas, alcance, limites, etc.) e uma unidade destes dois elementos com o projeto autogestionário de emancipação humana.

O resultado esperado disso não é a ilusória e ingênua anulação de uma determinada eleição e sim uma maior politização da população, daqueles que já defendem o voto nulo espontaneamente sem um projeto alternativo de sociedade ou percepção mais totalizante da democracia burguesa, e perda de legitimidade das instituições burguesas, dos governos, etc. Em síntese, a politização de uma parte cada vez maior da população e a deslegitimação cada vez mais intensiva dos governos e instituições burguesas é o resultado esperado e que contribui com o objetivo final que é a transformação social radical e total das relações sociais, a formação de uma sociedade autogerida. No fundo, é disso que o Estado, os governos, etc. temem, pois é isto que é uma ameaça real, o resto é apenas troca de corruptos e oportunistas no interior das mesmas relações sociais que criam estes tristes personagens e é por isso que buscam criar confusão entre voto nulo oportunista - que no fundo relegitima a democracia burguesa e tudo que é relacionado, sem nenhum projeto verdadeiro de transformação social - e o voto nulo autogestionário. Contudo, a tendência e o que vem ocorrendo é o aumento do voto nulo (tanto o espontâneo quanto o autogestionário) e assim o temor da classe dominante e suas classes auxiliares se justifica, mas não é suficiente para impedir sua realização e ampliação. Quanto mais votos nulos, menos pessoas envolvidas, iludidas, interessadas, no processo eleitoral e isso significa menos força da política burguesa (institucional) e mais força da política proletária (anti-institucional, voltada para a auto-organização da população). Um fantasma ronda as eleições atuais, o fantasma da autogestão social.