O voto e as ilusões
Maurício Tragtenberg
O
voto universal é a aparência do governo popular. Os eleitos acabam
por emancipar-se da dependência do povo, e a política torna-se ciência
oculta que a população não entende.
Há
uma grande ilusão popular que o governo representativo eleito pelo
sufrágio “universal” – analfabetos que constituem 50% da
população não votam – seja o governo do povo ou o povo no
governo. O regime representativo tem uma história que é importante
conhecer para avaliar o quadro eleitoral atual no País.
No
século XII as cidades libertaram-se do jugo do Senhor e
“juraram” organizar-se autonomamente para defesa mútua,
organização da produção e troca, durante quatro séculos são o
refúgio do trabalho livre na Europa. Os comerciantes criam
“conjurações” para defender-se nas cidades, independentes do
Senhor, do Rei e da Igreja. Elas unem-se por um fórum, onde o povo
é reunido pelo badalar dos sinos para discutir e resolver
diretamente na praça seus problemas. O Senhor que inicialmente é
chefe de um “bando” recebendo tributo e vendendo proteção,
tornou-se Rei. O “fórum” expulsou-o e ele refugiou-se numa
cidade nova. Com as guerras, vieram os exércitos permanentes,
favoreceu-se a concentração do poder no Estado e as “comunas”
urbanas decaíram e perderam sua autonomia. Nos séculos XIV e XV,
formou o Rei o “Conselho de Nobreza” e o “Conselho do Clero”
nascendo assim os parlamentos; com poder limitado: votação de créditos
para guerra, dependiam de sua aprovação, diferente do poder
ilimitado dos parlamentares atuais. Após o esmagamento das revoltas
camponesas, com auxílio dos comerciantes concentra-se o poder do
Rei, os subsídios transformam-se em impostos, a burguesia alia-se
ao Rei e os camponeses são reduzidos à servidão.
A
burguesia para defender-se da desobediência do povo e da recusa a
pagar impostos, na Revolução Francesa, cria a Assembléia
Parlamentar, fazendo-se defensora do governo representativo, onde o
povo elege seus “defensores”: é o governo por procuração. O
maior dos preconceitos políticos radica na fé num governo
representativo, por procuração. Sob a Monarquia ou República ele
mostra apenas que o povo não se governa a si próprio. Ele é
governado por representantes vinculados ao poder econômico
dominante na sociedade, às “máquinas burocráticas” dos
partidos políticos. No processo eleitoral o povo abdica de sua própria
iniciativa colocando-a nas mãos de uma assembléia de
“eleitos”. As Constituições tradicionalmente desrespeitadas, são
refeitas para uso de todos. Mesmo aqueles que pretendem mudar o
regime de propriedade não ousam tocar no regime representativo,
procuram preservar custe o que custar o governo sob procuração. O
Parlamento, torna-se instrumento de intrigas palacianas,
enriquecendo pessoal e carreirismo político.
A
liberdade real implica em não ser representado abandonando tudo aos
eleitos, mas, procurar lutar socialmente por si mesmo através das
coletividades organizadas a partir dos locais de trabalho.
Ação
direta do povo
Muitos
acham que o regime parlamentar nos deu as liberdades políticas,
esquecendo que a liberdade de imprensa, reunião e associação foi
arrancada no país matriz do Parlamento – Inglaterra – através
de ação direta do povo. Os operários no século XIX conquistaram
seu direto à greve através da ocupação das manufaturas.
Derrubando as grades do Hyde Park londrino onde era proibida sua
entrada, conquistaram seu direito à palavra na rua. Atribuir aos
parlamentos o que é devido à ação popular é pensar que basta
existir uma Constituição para que haja liberdade e direitos
respeitados.
O
regime representativo introduzido na Europa pela burguesia trouxe
algumas vantagens ao povo, porém, o monárquico sob os senhores
feudais também o fizera, nem por isso endeusaremos a Monarquia.
O
regime representativo surgiu com a burguesia e com ela desaparecerá.
Qualquer governo, seja constitucional ou não, tem tendência a
alargar seu Poder sobre o trabalhador e pelo Parlamento tende a
legislar sobre tudo e intervir em tudo que é de sua competência ou
não.
O
voto universal é a aparência do governo popular; cada deputado é
eleito por certo número de eleitores; o corpo eleitoral na sua
totalidade não é representativo. O parlamentar para transformar um
projeto em lei, tem que fazer concessões, transações, conchavos,
onde as considerações clientelísticas e partidárias predominam.
Os deputados, senadores ou governadores, longe do povo, acabam por
aumentar seu poder, emancipando-se da dependência do povo, ou de
“todo poder saído do povo” mas que a ele não volta. A política
torna-se ciência oculta que o povo não entende.
Os
candidatos defendem ferreamente seus programas, fa-lo-ão após
eleitos?
Nesse
processo político a propaganda dos princípios é substituída pela
propaganda das pessoas. O único interesse dos partidos é a vitória
das candidaturas.
A
ilusão eleitoral em pensar que depositando ritualmente um voto numa
urna, o povo detém algum poder de decisão quando o candidato é
escolhido via “compra da legenda” em dinheiro, indicação via
Comissão estadual ou federal, onde tem grande peso o “capital de
relações sociais”.
A
ilusão eleitoral, leva o povo à inércia, ao endormecimento,
esperando que alguém lute por ele. No fundo, é uma escola de
conformismo social, onde confunde-se mobilização popular real
partindo dos próprios interessados em defenderem suas reivindicações,
com, arregimentação de povo em comício onde alguém indicado fala
por ele.
Administradores
da crise
No
quadro nacional observa-se a existência do PDS e PTB como
situacionistas e PMDB, PT e PDT como oposicionistas.
O
Partido Trabalhista Brasileiro criado por Vargas para conter o povo
quando saía dos limites permissíveis estabelecidos pelo Poder,
contou com forte apoio operário e forneceu a grande maioria dos
“pelegos” sindicais e burocratas da Previdência Social, que
infelicitam o País.
O
PMDB tende a transformar-se quanto mais passa o tempo em PMDS. Isso
é, em São Paulo, tenderá a definir os poderes de mando, nas mãos
do “clã parental” do senador Montoro com apoio dos
“quadros” do antigo Partido Democrata Cristão. Os
“esquerdistas” do PMDB tenderão a se tornar marinheiros: irão
ver navios.
Constituído
como um conglomerado de tendências, essa grande “frente de aliança
de classes” que é o PMDB só não implodirá após as eleições
na medida em que seus governadores eleitos, tenderão nas mãos o
poder de nomeação para milhares de cargos públicos.
O
peso da classe média e da camada intelectual nesse processo político
não é desprezível, assim, via partidária tenderão a ascender
como "assessores do Rei” se constituindo em profissionais da
denominação. Terão um discurso muito radical e uma prática muito
medrosa.
Elegendo
governadores em vários estados, o PMDB, nessa fase de crise do
capitalismo mundial, elegerá os administradores da crise, que daqui
a um ano ou pouco mais se verão na opção: reprimir o povo e
continuar a testa do Estado ou não faze-lo e ser deposto pelo poder
federal por não ter “salvaguardado” a ordem.
O
Partido dos Trabalhadores que inicialmente constituiu uma esperança
de valorização da auto-organização dos mesmos, ao eleger o
caminho eleitoral e tende a formar, em cada trabalhador vereador,
deputado ou senador, um ex-trabalhador.
Se
não definir com clareza seu objetivo em termos de mudança
estrutural, poderá ser cooptado pelo regime transformando-se em seu
“braço esquerdo”.
A
eleição de Mitterrand na França e de Gonzales na Espanha mostram
a tendência do capitalismo em crise, optar por solução
“social-democrática” (reformar para não mudar). Isso, na França,
tem levado Mitterrand a propor o congelamento de salários e
realizar uma política de “austeridade”, na mesma linguagem que
o ministro Delfim Neto usa aqui há anos, e economistas do PMDB propõem
como “solução alternativa” para a crise: racionalização.
Esse conceito, pode significar para o trabalhador, a manutenção
das condições terríveis de trabalho, superexploração da sua força
de trabalho.
Vença
quem vencer as eleições, nada muda no interior das fábricas, nos
campos e nas oficinas. Nos escritórios, nos bancos, nos hospitais.
As
relações hierárquicas de dominação e exploração continuarão
as mesmas, só que administradas por um governo que, em “nome do
povo”, poderá pedir-lhe “sacrifícios” e, se for o caso, usar
o aparelho repressivo do Estado como usaram-no todos que ocuparam o
poder de Cabral até hoje.
Não
há soluções mágicas ou milagrosas. Um bom ponto de partida é
definir que só mediante a ação livre e direta de todos os
assalariados, auto-organizados a partir de seus locais de trabalho,
podem esperar ser ouvidos e ter um lugar ao sol. No processo de suas
lutas aprenderão a conhecer-se melhor e conhecer aqueles que em seu
nome querem falar. Não há vida por procuração, cada um tem que
viver a sua, assim como, não há luta por procuração, cada grupo
humano tem que auto-organizar-se para travar a sua luta. A união
dessas lutas será mais significativa que qualquer eleição. O Solidariedade
é o maior exemplo. O resto é literatura, e má.
Concluindo,
a ilusão eleitoral faz parte da “ilusão do político” onde
intelectuais e políticos tendem a crer como suas (independentes da
base econômica) as metas que se propõem a si e aos outros.
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