VOTO
NULO E RENASCIMENTO DA UTOPIA
André de Melo Santos*
De dois em dois anos temos no Brasil um período eleitoral,
vivemos numa dita democracia em que os meios de comunicação bombardeiam a
população com a necessidade de votar e bem para escolher seus ditos
representantes. Ocorre que cada vez mais fica evidente que os partidos visam
chegar ao poder e neste se manter e os discursos ficaram em segundo plano.
Desta forma os partidos de esquerda que diziam defender os trabalhadores uma
vez no poder fazem o discurso do patrão. Diante desse quadro o processo
eleitoral sofre um desgaste diante da sociedade, pois está já não deposita
tantas esperanças nesse processo como em tempos passados. Assim, vemos surgir
movimentos alternativos que propõe uma discussão que ultrapassa os limites do
processo eleitoral onde se discute as bases dessa sociedade, pela radicalidade
e coerência das propostas podemos dizer que estes grupos trazem de volta o
pensamento utópico.
Votar ou não votar! Eis a questão que nos é colocada a cada
dois anos, ou como diz a propaganda oficial, devemos escolher bem nossos
governantes, o Brasil precisa do seu voto. Todo mundo já está cansado desse
sistema eleitoral, porque a cada eleição aparece um projeto de mudança, mas quando
chega ao poder o partido segue o mesmo projeto que outrora criticava. Vejamos
no caso do atual governo, durante o governo anterior o partido do atual foi o
maior opositor, denunciava a implantação do neoliberalismo e suas consequências
e hoje no poder deu prosseguimento a essa política, de forma dissimulada e com
o discurso de manter a governabilidade. Segundo Viana (2003a), os partidos
políticos são organizações burocráticas cujo objetivo é conquistar o poder
estatal e assim legitimar tal luta utilizando a ideologia da representação e,
no fundo, expressam os interesses de uma ou outra classe ou fração de classes
existentes.
Não podemos esquecer que as eleições são uma parte da
engrenagem da sociedade capitalista, logo as eleições servem para legitimar o sistema
existente com suas contradições. A sociedade capitalista que se caracteriza
fundamentalmente pela extração da mais valia em que duas classes se apresentam
como as principais, a burguesia e o proletariado, e para dominar o proletariado
que é a grande maioria a burguesia se utiliza de vários mecanismos e um deles é
o processo eleitoral. No processo eleitoral temos os partidos de direita, que
representam o capital embora tenham um discurso universal, ou seja, governam
para todos – ocultando que esse ‘’todo’’ se limita à burguesia – e os partidos
de esquerda, que dizem defender a classe trabalhadora e uma vez no poder todos
tem que rezar na cartilha do capital. Embora possa também permitir a integração
de trabalhadores, mas, a questão é que ao integrar o partido vai encontrar uma
organização burocratizada, além de que os políticos profissionais acabam
ditando as regras e tendo mais privilégios. Além disso, uma vez no partido, o
indivíduo ou segue as regras do partido, ou sai. E aqueles que continuam e conseguem
a ascensão dentro do partido se aliam aos interesses dos capitalistas e
continuam reproduzindo a burocratização. Aqueles que buscam criticar a posição
do partido são expulsos ou marginalizados dentro do próprio partido.
O voto nulo tem por objetivo denunciar a farsa eleitoral, e
ir além, e podemos indicar isto como o renascimento da utopia. O voto nulo é
uma luta de diversas organizações se caracterizam por uma crítica da burocracia
e de como esta domina os partidos políticos. Também retomam correntes que
dentro do marxismo foram marginalizadas, mas que no conteúdo retomam as teses
de Marx que segundo a qual a revolução será obra da própria classe trabalhadora
e para isso não precisa da mediação de nenhum partido ou sindicato.
Assim, vemos nestes movimentos renascer o pensamento
utópico, no sentido que Ernst Bloch teorizou. Segundo Bicca (1986, p-80)
Pensamento utópico como utopia concreta não almeja
nenhuma distância com relação a seu objeto; muito pelo contrário: como
pensamento orientado para o futuro – em vez de simples pensamentos de desejosos
entusiásticos – é uma busca constante de mediação com o seu conteúdo.
Desta forma, utopia concreta é uma consciência antecipadora,
um querer que impulsiona o ser para o futuro e vai contra a ideologia da
sociedade capitalista que desilude e a qual contribui para essa condição ruim
que vivemos como algo natural.
Tem sido dito, constantemente na imprensa, expressões do
tipo “as eleições não pegaram” ou “as eleições ainda não empolgaram a
população”. O que os jornalistas querem dizer com isto é que a população não se
interessa pelo processo eleitoral de hoje como se interessavam no passado
recente, como exemplo a mobilização popular em torno das eleições de 1989. Isso
acontece porque todos os partidos, inclusive os da “dita esquerda”, representam
o mesmo projeto político, mesmo com as devidas maquiações para se apresentarem
como diferentes para o público. No Brasil os partidos de esquerda que
tradicionalmente estiveram na oposição, tinham um discurso mais radical que
pregavam mudanças profundas no Estado para que este fosse mais justo, uma vez
no poder assumiram uma postura moderada e na prática conduzem o governo com as
mesmas políticas implantadas pelos anteriores. Diante disto é inevitável um
clima de descrença do eleitorado, mesmo que não manifestado de forma
consciente, e assim o voto nulo se apresenta como uma proposta alternativa que
não se limita ao processo eleitoral e busca trazer o debate para a questão
fundamental, ou seja, discutir as bases da sociedade capitalista e suas formas
de dominação.
A democracia burguesa é a forma que a burguesia encontrou
para reproduzir seus privilégios que são consequentes da exploração que mantém
sobre as classes exploradas, criando mecanismos que favorecem a burocracia
partidária e restringe a participação popular. Desde o fim da ditadura militar,
praticamente, os principais partidos tanto de direita como de esquerda chegaram
ao poder, e em razão disso surgiu uma ilusão, devido o fato de os partidos de
esquerda fazerem o discurso de que defendem a classe trabalhadora e prometem
uma mudança nas políticas estatais. Diante disso cria-se uma expectativa muito
grande em torno desses governos. Podemos citar a euforia que foi a eleição do
PT à presidência da república. Porém, como já era esperado, não mudou nada, um
partido que participa do processo eleitoral é igual a todos os outros partidos,
mesmo que diga ser diferente. Segundo Viana (2003 b, p. 12),
Os partidos políticos são organizações burocráticas
que visam à conquista do Estado e buscam legitimar essa luta pelo poder através
da ideologia da representação e expressam os interesses de uma ou outra classe
ou fração de classes existentes.
Vejamos o que ocorre no Brasil, o governo anterior do PSDB
implantou o neoliberalismo no país, este se caracteriza Revista Enfrentamento –
n o 08, Jan./Jul. 2010 29 por privatizações, redução de direitos trabalhistas e
previdenciários, enfim criou condições para que as taxas de lucro dos capitalistas
não caíssem. Isso gerou o desgaste político do governo anterior e foi o
combustível para a propaganda do PT, e este, uma vez no poder deu sequência ao
projeto neoliberal, ou seja, não mudou nada.
O ponto importante desse processo foi o da unificação dos
partidos de esquerda com os da direita, uma vez que os partidos de esquerda
chegaram ao poder mudaram o discurso e começaram a defender bandeiras que
outrora atacavam. Diante deste quadro o voto nulo se apresenta como uma
alternativa, mas uma alternativa mais radical que visa questionar as bases
dessa sociedade para concretamente propor uma mudança. Primeiramente, não
podemos analisar o processo eleitoral isoladamente do resto da sociedade
capitalista, ele é parte da engrenagem, pois, na sociedade capitalista tem os
grupos de oposição que buscam a transformação social, e não compactuam com o
processo eleitoral, logo, não podem ser incluído neste todo. E a crítica
radical favorece o renascimento de tendências de esquerda que foram
marginalizadas, mas que pela sua coerência continuam vivas. Conselhistas,
autogestionários e anarquistas, correntes que são contra o reformismo e o
burocratismo cada vez mais ganham espaço no mundo atual.
Assim podemos dizer que temos um
renascimento da utopia, no sentido que Ersnt Bloch (2005) propõe, ou seja, uma
utopia concreta, um querer que impulsiona a uma transformação social ao
contrário da própria ideia de utopia que existe na nossa sociedade, utópico é
visto como um ‘’sonhador’’ ou utopia abstrata no sentido de algo não ser
realizável. Para a utopia concreta temos que buscar meios de realizar esses
sonhos, e no caso da política temos que lutar, para que o sonho de uma
sociedade sem exploração se torne possível.
Revista Enfrentamento – n o 08,
Jan./Jul. 2010